A exposição Geometrias Improváveis reúne a produção recente da artista Lenora Rosenfield, desenvolvida a partir de 2021 como desdobramento de sua pesquisa em estágio pós-doutoral realizado no Rio de Janeiro. O conjunto de obras apresentado evidencia a continuidade de questões já presentes em sua trajetória anterior, agora reelaboradas à luz de novas investigações formais e conceituais, com especial ênfase na noção poética da quadratura do círculo.
Esse conceito, oriundo da tradição matemática e geométrica, refere-se ao antigo desafio de construir, com régua e compasso, um quadrado com área idêntica à de um círculo dado — uma tarefa comprovadamente impossível dentro dos parâmetros da geometria euclidiana. Ao se apropriar desse impasse, a artista transcende o campo da matemática, instaurando uma reflexão visual sobre limites, paradoxos e tensões entre ordem e intuição. Sua abordagem revela como a arte — em sua liberdade formal e imaginação crítica — pode transformar um problema insolúvel em matéria de expressão sensível.
Em sua prática, Lenora Rosenfield articula elementos do inconsciente, da corporeidade, do deslocamento e da memória afetiva, em constante diálogo com a tradição pictórica e seus desafios técnicos e conceituais. A espacialidade, a construção compositiva e os materiais são mobilizados como meios para tensionar dicotomias entre o geométrico e o orgânico, o rigor e a fluidez, o visível e o intangível.
A exposição organiza-se em três núcleos distintos, definidos a partir de procedimentos técnicos e das variações simbólicas derivadas do conceito central. O primeiro grupo de obras explora o papel japonês como suporte — um território de leveza e transparência — sobre o qual se sobrepõe desenho, pintura e colagem. Cores vibrantes (azul, vermelho e verde) interagem com o brilho sutil das folhas de ouro, compondo tramas visuais delicadamente montadas em estruturas de acrílico transparente, que reforçam a imaterialidade da proposta.
O segundo conjunto, de pequenos formatos, intensifica a presença do azul, do dourado, do vermelho e do tom terroso do bolo armênio – uma base para aplicação de folhas de ouro feita a partir da argila. Círculos e quadrados aparecem em fusão, justaposição ou sobreposição, instaurando formas híbridas que evocam signos e metáforas. A geometria se deixa contaminar pelo gesto, revelando uma poética da imperfeição — não como falha, mas como afirmação do sensível sobre o racional, do inacabado como potência.
Por fim, o terceiro núcleo funciona como uma espécie de arqueologia da própria trajetória da artista, recuperando índices formais e temáticos que, revisitados neste estágio de sua produção, adquirem novos sentidos e reverberações.
Lenora Rosenfield nos convida, assim, a percorrer geometrias que não se encerram em fórmulas, mas que se expandem em experiências. Suas obras afirmam o lugar da arte como espaço de pensamento e invenção — um campo onde o improvável não é apenas possível, mas necessário.
Lauer Alves Nunes dos Santos
Curador, artista, coordenador do PPGArtes e professor titular da UFPel