Após uma temporada de sucesso da 14ª Bienal do Mercosul, a Fundação Iberê inaugura no dia 14 de junho (sábado) três exposições, sendo duas com ênfase na técnica da gravura e outra na trajetória de Iberê Camargo (1914-1994).
Os curadores desta edição da Bienal, Raphael Fonseca, Yina Jiménez Suriel e Tiago Sant’Ana, foram convidados para selecionar obras de Iberê Camargo para Iberê Camargo: estruturas do gesto. São 58 trabalhos, entre desenhos, gravuras e pinturas, produzidos entre 1940 e 1994, ano da morte do artista.
Já o gravador Carlos Martins, amigo de Iberê e idealizador do Gabinete de Gravura no Museu Nacional de Belas Artes, apresenta uma exposição panorâmica de sua trajetória que compreende aproximadamente 120 obras, entre gravuras em metal, esculturas, um ambiente e um vídeo inédito, desde as primeiras gravuras realizadas no começo da década de 1970, até uma instalação concebida em 2023.
Já a exposição Gravura – Experiência matriz apresenta os diferentes matizes de 43 artistas de renome internacional que passaram pela técnica na Fundação Iberê: Afonso Tostes (RJ), Alex Cerveny (SP), Angelo Venosa (SP), Antonio Dias (SP), Álvaro Siza (Matosinos, Portugal), Caetano de Almeida (SP), Carlos Martins, Carlos Fajardo (SP), Carlos Pasquetti (RS), Carmela Gross (SP), Daniel Acosta (RS), Daniel Feingold (RJ), Daniel Escobar (RS), Daniel Melim (SP), Elisa Bracher (SP), Iole de Freitas (MG), Janaina Tschäpe (MUC, Alemanha), Jorge Macchi (Bs.As., Argentina), José Bechara (RJ), José Patrício (PE), José Resende (SP), Laura Andreato (SP), Léon Ferrari (Bs.As., Argentina), Lucas Arruda (SP), Luciana Maas (SP), Luiz Carlos Felizardo (RS), Marcos Chaves (RJ), Maria Lucia Cattani (RS), Matias Duville (Bs.As., Argentina), Nelson Felix (RJ), Nelson Leirner (SP), Nuno Ramos (SP), Pablo Chiuminatto (Quilpué, Chile), Paulo Monteiro (SP), Paulo Pasta (SP), Rafael Pagatini (RS), Regina Silveira (RS), Rodrigo Andrade (SP), Rosângela Rennó (MG), Santídio Pereira (PI), Teresa Poester (RS), Vera Chaves Barcellos (RS) e Waltercio Caldas (RJ).
Artista que incentivou Iberê Camargo na retomada da gravura no final dos anos 1980 e idealizador do Gabinete de Gravura no Museu Nacional de Belas Artes, Carlos Martins faz retrospectiva de seu trabalho na Fundação Iberê
Mestre supremo de seu ofício, Carlos Martins é um dos gravadores mais apurados, sofisticados e elegantes de sua geração. Dotado de um virtuosismo poucas vezes atingido no campo da repetição da imagem, pode-se dizer também que é um “gravador dos gravadores”. Ele também é arquiteto, museólogo, pesquisador e curador.
Por mais de 15 anos, o artista manteve relações profissional e de amizade com Iberê Camargo. Na virada para a década de 1990, chegou a imprimir matrizes de gravura em metal realizadas pelo amigo, quando este decidiu retomar a prática que havia deixado de lado ainda no começo dos anos 1970.
Martins também foi o curador de duas exposições dedicadas à produção gráfica de Iberê: A gravura de Iberê Camargo: Uma retrospectiva, que viajou por instituições de Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, em 1990, e Estrutura em movimento: a gravura na obra de Iberê Camargo, organizada em colaboração com José Augusto Ribeiro, na Pinacoteca de São Paulo, em 2014.
Em 1983, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) recebeu a itinerância do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), Introdução ao Conhecimento da Gravura em Metal. Na época, em entrevista ao Jornal Folha da Tarde, ele revelou ser “apaixonado pelo Rio Grande do Sul” e que tinha em seus planos “qualquer dia destes expor na capital gaúcha”.
Quarenta e dois anos depois ele retorna a Porto Alegre, desta vez, para apresentar, na Fundação Iberê, uma exposição panorâmica de sua trajetória que compreende aproximadamente 120 obras, entre gravuras em metal, esculturas, um ambiente e um vídeo inédito, abrangendo as primeiras gravuras realizadas no começo da década de 1970, até uma instalação concebida em 2023.
Com curadoria de José Augusto Ribeiro, Sombra da Terra sublinha o interesse de Carlos Martins em figurar uma espécie de dimensão metafísica do mundo das coisas, com imagens que são, em geral, silenciosas, vazias – ou sem presença humana – e abrangentes – por compreenderem desde cenas do ambiente doméstico até estampas de astronomia.
As representações enfatizam, por exemplo, a sombra e o reflexo de seus motivos no espaço; reportam a experiências e memórias pessoais, reforçando o intimismo proposto de início ao observador, no tamanho físico dos trabalhos, pequenos em sua maioria; e manifestam, com frequência, uma estima pelo universo da cultura material – pela produção de imagens nas artes visuais, na pintura, escultura e fotografia, por estruturas narrativas e cênicas da literatura, teatro e cinema, pela música, pelo design e objetos de uso rotineiro, pela arquitetura e urbanismo, daí até a paisagem e o paisagismo.
Não por acaso, há diversas gravuras de Carlos Martins inspiradas pelos lugares onde foram produzidas. É o caso da série Journey to Portugal, de 1976, em que a natureza surge apenas na forma controlada dos jardins, vista entre sombras, por cima de paredes e muros, ou através de janelas.
Outro destaque da exposição compõe-se de trabalhos em torno da ópera O Guarani, de Carlos Gomes. Trata-se um grupo amplo, iniciado por uma série de gravuras realizadas entre 1985 e 1986, que criam as cenas de uma montagem fictícia do espetáculo em que os personagens são silhuetas planas, como sombras verticais; passa por objetos associados ao cenário de um concerto comemorativo do centenário do compositor, concebido por Martins, a convite do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1996; e se estende à instalação Peep box, produzida pelo artista para sua exposição no Museu Lasar Segall, em São Paulo, em 2023, em que estão reunidos, também, elementos daquele concerto comemorativo e das gravuras da década de 1980 inspiradas na ópera de Carlos Gomes.
“O objetivo da exposição é ressaltar o apuro técnico da produção de Martins na realização de seus trabalhos, a combinação de linguagens e soluções diversas na feitura de uma única imagem e os jogos que se armam, não raro, entre repetições e diferenças em grupos de trabalhos – quando numa série, por exemplo, uma estampa se multiplica por várias unidades, embora cada uma receba tratamento específico e diferente, com cores, formas e soluções de preenchimento variadas. Constitui-se, assim, uma obra que é, ao mesmo tempo, rigorosa, culta e atenta à realidade sensível”, afirma Ribeiro.
Sobre o artista
Há 50 anos, Carlos Martins ele produz um trabalho gráfico notabilizado pelo apuro técnico empregado nas diferentes etapas de construção de uma imagem, no desenho, gravação e impressão. Tanto que a literatura a respeito da obra fala com frequência de sua “altíssima qualidade” e do “domínio absoluto”, pelo artista, dos procedimentos da gravura em metal. Qualidades que o colocariam, na década de 1980, entre “os melhores gravadores brasileiros”, na opinião de um segmento da crítica.
Carlos Botelho Martins Filho (Araçatuba, SP, 1946) iniciou seus estudos em gravura em metal na década de 1970, na Inglaterra, frequentando a Chelsea School of Art, Sir John Cass School e Slade School of Arts, além da Academia Raffaelo na Itália, retornando ao Brasil em 1978. Estabeleceu-se no Rio de Janeiro, trabalhando na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) como professor de gravura. Durante a década 1980 ministrou cursos, ao modelo inglês de evening class, que ocupavam horários ociosos de ateliês de escolas e de universidades para a realização de cursos livres.
Nesta época, havia poucas publicações traduzidas para o português que dessem conta da história da gravura. Pensando em tornar esse conhecimento acessível aos estudantes da técnica no Brasil, Martins iniciou um projeto que promovia a pesquisa da gravura em metal, resultando em uma exposição e publicação intitulada Introdução ao conhecimento da gravura em metal.
Esse projeto deu origem a uma exposição itinerante de gravuras, de julho de 1982 a junho de 1983, que percorreu as principais capitais do país, e o convite para criar, em 1984, o Gabinete de Gravura no Museu Nacional de Belas Artes. Inserido na dinâmica de reformulação interna do MNBA, o Gabinete nasceu com a intenção de dedicar um espaço específico para estudo e tratamento do conjunto de gravuras do museu.
Gravura – Experiência matriz mostra os diferentes matizes de artistas de renome internacional que passaram pela técnica na Fundação Iberê
A Fundação Iberê reúne na exposição Gravura – Experiência matriz obras 43 artistas que vivenciaram a técnica na prensa que pertenceu a Iberê. São eles: Afonso Tostes (RJ), Alex Cerveny (SP), Angelo Venosa (SP), Antonio Dias (SP), Álvaro Siza (Matosinos, Portugal), Caetano de Almeida (SP), Carlos Martins, Carlos Fajardo (SP), Carlos Pasquetti (RS), Carmela Gross (SP), Daniel Acosta (RS), Daniel Feingold (RJ), Daniel Escobar (RS), Daniel Melim (SP), Elisa Bracher (SP), Iole de Freitas (MG), Janaina Tschäpe (MUC, Alemanha), Jorge Macchi (Bs.As., Argentina), José Bechara (RJ), José Patrício (PE), José Resende (SP), Laura Andreato (SP), Léon Ferrari (Bs.As., Argentina), Lucas Arruda (SP), Luciana Maas (SP), Luiz Carlos Felizardo (RS), Marcos Chaves (RJ), Maria Lucia Cattani (RS), Matias Duville (Bs.As., Argentina), Nelson Felix (RJ), Nelson Leirner (SP), Nuno Ramos (SP), Pablo Chiuminatto (Quilpué, Chile), Paulo Monteiro (SP), Paulo Pasta (SP), Rafael Pagatini (RS), Regina Silveira (RS), Rodrigo Andrade (SP), Rosângela Rennó (MG), Santídio Pereira (PI), Teresa Poester (RS), Vera Chaves Barcellos (RS) e Waltercio Caldas (RJ).
A exposição traz um recorte da coleção com artistas de diferentes matizes e suas respectivas obras produzidas nas mais variadas técnicas da gravura em metal em sete módulos temáticos: matéria da memória em P&B, abstrações, figuras, riscados, paisagens, grafismos e cartografias.
Gravura – Experiência matriz é organizada pela Fundação, que, em 1999, ainda na casa de Iberê (1914-1994) no bairro Nonoai, promoveu oficinas de gravura ministradas por Anna Letycia, Evandro Carlos Jardim, Claudio Mubarac e Carlos Martins. Nesse período, foi proposto que as matrizes das obras fossem doadas para a instituição, dando início à Coleção Ateliê de Gravura.
Em 2001, foi criado o Projeto Artista Convidado, como programa de residência artística sob a coordenação de Eduardo Haesbaert que foi assistente e impressor de Iberê. Os artistas experimentaram a gravura, muitos deles pela primeira vez, e produziram obras inéditas criadas a partir de suas poéticas. Desde então, o projeto recebeu mais de 100 artistas residentes.
O Ateliê de Gravura conserva a prensa e as ferramentas utilizadas por Iberê que, desde os anos 1940, teve a prática da gravura simultânea ao seu ofício de pintor. “Estabelecemos uma profícua troca a partir de pesquisas, conceitos e pensamentos de cada residente. Suas expressões são reveladas em obras gráficas e posteriormente multiplicadas, tornando-as parte do acervo do artista e da Fundação”, destaca Haesbaert.
Curadores da 14ª Bienal do Mercosul assinam a curadoria da exposição Iberê Camargo: estruturas do gesto
Raphael Fonseca, Yina Jiménez Suriel e Tiago Sant’Ana, curadores da 14ª Bienal do Mercosul, foram convidados para assinar a seleção de obras que fazem parte do acervo da instituição. São 58 trabalhos, entre desenhos, gravuras e pinturas, produzidos entre 1940 e 1994, ano da morte do artista. Chamam a atenção os desenhos de crânios e gatos presentes na mostra e que participaram da mais recente edição da Bienal.
“Ao longo dos seus mais de 50 anos de produção, é impossível passar incólume à obra de Iberê Camargo quando pensamos num panorama histórico da Arte Brasileira. O desdobramento de sua poética ao longo de distintas linguagens atesta a multiplicidade e perspicácia do artista naquilo em que foi mais pródigo: a experimentação matérica através de uma liberdade gestual muito característica, marcada pelos tons terrosos e por certa inclinação para uma atmosfera que flerta tanto com um olhar mais voyeurista para o cotidiano quanto para um ambiente mais soturno e melancólico”, destaca Fonseca.
Segundo ele, em Estruturas do gesto é apresentada uma justaposição de obras em que o movimento e o deslocamento servem tanto como metáfora quanto como estratégia, embaralhando qualquer pretexto em desenhar uma linha cronológica em prol de um interesse e de uma mirada mais conceitual sobre a obra do artista, focada numa proposta de experimentação formal: “As obras elencadas na exposição nos levam por um caminho para sentir que a riqueza das obras de Iberê Camargo reside justamente na maneira como a sua memória e o seu traço sustentam, sem remorsos, estruturas que fazem uma ode ao gesto, que capturam, sem aprisionar, um determinado momento, feito à maneira de alguém que tem consciência de que o tempo é fugidio. Essas obras dão a ver que é no deslocamento e na fugacidade que residem os reveses do viver.
Um dos destaques da exposição é um estudo feito em 1966 para o painel da Organização Mundial de Saúde em guache, pastel seco e grafite sobre papel. Criada no segundo pós-guerra (1947), no contexto da reconstrução e da reorganização do mapa político internacional, a OMS recebeu doações de todos os países membros para construir e equipar a sua sede na Suíça. O Brasil, por meio do Ministério de Relações Exteriores, ofereceu um presente cultural: uma pintura original que Iberê realizaria in loco.
Foram quatro meses de trabalho em uma pintura 49 metros quadrados. Para criar uma “vegetação colorida”, Iberê realizou uma série de esboços e começou a brincar livremente com as formas. Trinta estudos feitos com grafite, guache, grafite, lápis de cor, nanquim, tinta a óleo e outros materiais ficaram guardados por mais de 40 anos nos porões da agência de Saúde da Organização das Nações Unidas em uma caixa lacrada com o inédito projeto de Iberê, com uma mensagem do próprio artista escrita na tampa: “Não dobre e não remova nada sem a autorização do diretor-geral”. Eles só foram descobertos em 2007, após uma consulta da Fundação Iberê, a pedido de Maria Coussirat Camargo. A caixa foi aberta em janeiro de 2008, na presença de autoridades da Organização Mundial da Saúde, e encontram-se preservados no Arquivo da OMS, em Genebra, como parte do presente do governo brasileiro. Iberê e Dona Maria mantiveram alguns estudos, que estão sob os cuidados da Fundação.